sábado, 22 de março de 2014

Entrevista de John Frusciante para a Guitar Player - Abril/2014

Entrevista traduzida e postada no site Universo Frusciante.

John Frusciante concedeu entrevista para Barry Cleveland da revista Guitar Player para a edição de abril, que sairá nos próximos dias. Cleveland já entrevistou John em 2006 e Omar Rodriguez Lopez em 2010, além de inúmeros grandes guitarristas para a renomada revista. Como toda entrevista para a Guitar Player, o foco sempre é a guitarra, equipamentos em geral e gravações. John fala sobre por que deixou os Chili Peppers, sua nova fase na música eletrônica, seus novos álbuns, suas novas guitarras, técnicas de gravação, Black Knights e sua relação com a música. Confira a entrevista traduzida:



DO AVANT-POP AO HIP HOP
JOHN FRUSCIANTE REPROGRAMA A SI MESMO, SUA MÚSICA E O BLACK KNIGHTS
Por Barry Cleveland

John Frusciante não poderia se importar menos com a fama – muito menos com a atenção, a gratificação do ego e as outras vantagens pouco substanciais que tipicamente a acompanham. Mesmo enquanto membro de uma das bandas mais bem-sucedidas da história do rock, na maioria das vezes ele evitou a pompa de celebridade. Ao invés disso, continuou tocando suas dez horas de guitarra por dia ou trabalhando com música, servindo à sua meditação. E desde sua saída do Red Hot Chili Peppers, há seis anos, ele não só largamente reinventou seuapproach com a guitarra, mas também desenvolveu sua arte de manipular samples e de edição digital, mergulhou fundo no mundo dos sintetizadores modulares, culminando em um estabelecimento de um, na maior parte das vezes, universo musical de um homem só, centrado na composição.

“Para mim, AFX, Venetian Snares e outras pessoas que se aventuraram com eletrônica criaram um novo vocabulário musical, uma nova forma de conceber música”, diz Frusciante. “Eles podiam fazer musica sem a teoria convencional ou nenhum dos pré-requisitos técnicos que achamos ser necessário. Eles não usam nada além do som. Gastei cinco anos aprendendo essa linguagem – quase o mesmo tempo que levei para aprender a tocar guitarra – porque senti que aquilo poderia ser aplicado de várias outras formas diferentes da que já era aplicada”.

Essas aplicações estão evidenciadas nos três mais recentes lançamentos solo de Frusciante,PBX Funicular Intaglio Zone (2012), Outsides (2013) e Enclosure (2014) – todos lançados pelo selo Record Collection. A música nesses discos diversos vai de aventureiras mas relativamente acessíveis canções avant-pop à várias músicas eletrônicas progressivas à construções sônicas atonais inspiradas em jazz experimental e música clássica do século XX. No meio dessa cornucópia de prazeres aurais há vários inspirados solos de guitarra, além do inteiro solo de 10 minutos em “Same”, que brilhantemente atravessa contínuas modulações de acordes.

Frusciante também gravou três álbuns de hip-hop com os rappers Rugged Monk e Crisis, conhecidos como Black Knights. O primeiro deles, Medieval Chamber [Record Collection] foi lançado no começo desse ano. Além de produzir o álbum, Frusciante escreveu e gravou toda a música, se baseando na mesma habilidade que mostra em seus álbuns solo. “Quanto mais difícil e algo que os rappers irão responder criativamente é a batida, mais a música pode ser literalmente o estilo que você quiser”, ele exalta. “Me senti mais livre fazendo esse álbum do que me senti fazendo qualquer coisa”.

ENTREVISTA:
GP: Por que você decidiu deixar os Chili Peppers na época que a banda estava no auge?
John: Quando começamos nossa última turnê, achei que eu provavelmente ficaria feliz por fazer aquilo por mais alguns anos, mas não muitos. Eu não tinha interesse em ser um rockstar pelo resto da minha vida. Mas durante a turnê, mais como resultado de ouvir coisas como Autechre, Venetian Snares e AFX, gradualmente fui percebendo que eu queria ser capaz de traduzir minhas ideias diretamente da minha imaginação para trabalhos musicais completos, sem precisar filtrá-los através de um engenheiro ou outros músicos. A tecnologia está aí para liberar artistas que já possuem uma visão completa, e eu sempre fui uma dessas pessoas. Eu posso confiar nos meus próprios instintos criativos e no que eu ouço na minha cabeça.

Quando você está numa banda, todos pensam que sabem a melhor maneira de fazer coisas, e você pode encontrar oposição quando tenta realizar suas ideias criativas. E quando você está numa banda popular, é particularmente difícil ir além dos parâmetros que você estabeleceu, que é o que as pessoas gostam em você. Você nem sabe que está fazendo isso. Você acha que está sendo bem diferente de um álbum para outro, mas quando você percebe, bem, você está forçado a continuar no conceito que a banda tem.

Por exemplo, eu estava no Japão para um de nossos últimos shows e estava praticando no meu quarto, tocando sobre essas músicas de acid house. Eu estava tentando tocar guitarra do jeito que aquelas pessoas programaram o Roland TB-303, e percebi: “Wow, isso parece muito com o estilo de Robert Fripp, de pular oitavas e fazer grandes intervalos”. Depois de um tempo, comecei a ter um sentimento por aquilo, então quando ia passar o som eu tocava daquele jeito enquanto fazia jams com Flea e o roadie de bateria, e era maravilhoso. Mas quando eu ia para o palco com a banda e começava a tocar daquele jeito, espiritualmente aquilo não rolava. Quando você está na frente de 15 mil pessoas e tem essa conexão recíproca com o público, se eles estão familiarizados com você tocando tipo, digamos, Jimi Hendrix, e você não toca desse jeito, isso não vai funcionar. Tipo, Eddie Van Halen sempre sobe no palco para ser Eddie Van Halen – ele não pode ser outra pessoa, mesmo se ele realmente quiser ser. É quase como se sua criatividade estivesse restrita a essas expectativas, e eu não quis viver o resto da minha vida com minha criatividade restrita. Eu quis explorar coisas novas.



Houve alguma experiência específica que te levou até esse envolvimento profundo com a música eletrônica?
Eu tive um sonho em que eu estava sentado na minha casa ouvindo uma música de 20 minutos que eu tinha feito apenas com samples. Era uma banda seguida por outra, com um tipo de elemento de seguimento entre elas. Era uma sessão de Beatles, uma sessão de Pink Floyd, uma de Talking Heads, etc. Então ouvi aquilo tudo no meu sonho e a última coisa que pensei antes de acordar foi “Se você é capaz de fazer isso, você pode fazer qualquer coisa”.

Durante o ano seguinte, trabalhei na recriação daquela música, pouco a pouco. Fiquei intimidado no começo, mas quando completei os inteiros 20 minutos – uns 8 meses depois –, comecei a pensar que ter aquele monte de samples era a mesma coisa de ter a minha guitarra. Você pode ouvir a música online. É chamada “Sect in Sgt”, lançada sob o nome de Trickfinger.



Resumidamente, descreva as formas como você usa a tecnologia para perceber a música que você ouve na sua cabeça.
O Renoise é o meu principal DAW (Digital Audio Workstation), eu também uso algumas drum machines, sequenciadores, e outros programas, juntamente com meu Doepfer, Arp e outros sintetizadores modulares. Várias músicas no PBX e no Enclosure começaram como ideias para guitarra, as desenvolvi a partir daí – mas algumas surgiram quando eu estava sentado no estúdio com o computador e alguns aparelhos. Nesses casos, havia muitas maneiras que eu poderia começar, e elas poderiam não envolver a composição do senso comum. Por exemplo, eu poderia começar encontrando duas coisas que podem ser colocadas em oposição, como dois samples que não tem absolutamente nada a ver um com o outro. Eu tento encontrar um chão comum entre os dois, algum jeito de colocá-los juntos. Quando trabalho no Renoise, tendo a pensar em termos de espaços sônicos que estou retratando, e isso tem muito a ver com intervalos entre um som e outro, ou uma localização rítmica e outra, e isso faz o som. E em vez de ficar tão preocupado em ter uma performance no tempo, como um guitarrista ou qualquer outro instrumentistas teria, fico mais interessado em achar interessantes formas de fazer as coisas ficarem fora do tempo, pois é bem aí que a música está.

Fale mais sobre isso.
Quando comecei a pensar assim, voltei e estudei músicas antigas de bandas como Led Zeppelin e Beatles de um ângulo diferente, e consegui ver que eles não se preocupavam em não tocar fora do tempo. Eles podiam tocar no tempo facilmente, mas o objetivo era mais achar grooves, e o groove envolve os instrumentos sendo levemente fora do tempo do outro. Eu posso ouvir isso com meus ouvidos agora, mas se eu carrego um sample da música deles no Renoise, também consigo ver isso visualmente. Por exemplo, em “The Songs Remains the Same”, você pode ouvir que a guitarra está bem pegada e o baixo e bateria estão mais relaxados. É esse contraste que cria a tensão que deixa a música tão legal. Também há uma ordem em que os músicos tocam, baseado em quem está ouvindo quem. Por exemplo, no Black Sabbath, o baixo vem geralmente primeiro, a bateria geralmente em segundo e a guitarra geralmente em terceiro. Eles podem todos tocar uma nota ao mesmo tempo, mas não é no mesmo tempo, na verdade – e esse é o som da banda. Toda banda tem um som distinto por causa dessa ordem, embora eles nem sempre sejam conscientes disso e, claro, há exceções quando a ordem muda momentaneamente.

Descobri que grooves eram compostos por isso e que a teoria musical tradicional não me permitia examinar essa parte da música. Crescendo, aprendendo com discos e CDs, eu achava que eu tinha consciência disso em um nível subconsciente, e não percebi isso quando eu estava numa banda, eu deveria tentar mudar o que eu sentia para fazer a nossa ordem geral de groove, mas você não tem palavras para isso quando é um músico. Nunca peguei um sample dos Chili Peppers, mas acho que é Flea primeiro, Chad em segundo e eu em terceiro. Eu me lembro de tentar ser o primeiro, mas não conseguia. Não é assim que os outros caras ouvem, e você fica meio preso em como você está.

Como compor para o Black Knights se difere de compor suas outras músicas?
A diferença primária, pelo menos com os meus últimos álbuns, é que quando trabalho na minha própria música, geralmente as ideias começam como ideias musicais tradicionais, enquanto com o Black Knights tudo começa com samples.

“Never Let Go” foi um single lançado pelo Black Knights mais cedo. Quais foram algumas das técnicas que você usou para criar essa música?
Essa foi a terceira música que nós fizemos, logo quando estávamos começando, e é bem simples. É basicamente a batida de “When the Levee Breaks”, do Led Zeppelin, um sintetizador Synton Fenix, a voz dos caras, e o refrão completo da versão de Anne Murray de “Danny’s Song”. O primeiro passo provavelmente foi passar a parte de Anne Murray num equalizador analógico e num compressor analógico, para removermos o quanto pudermos a bateria e o baixo para exaltar seu vocal. Então, calculei o tempo geral da parte vocal e manipulei o sample da batida para ficarem no mesmo tempo antes de colocá-los no equalizador pra engordar a caixa da bateria e apertar o bumbo. Eu também podia enfatizar o diferente microfone de bateria que eles usaram e adicionar mais som de estúdio, aumentando a frequência ressonante do estúdio, que dá aquela coisa mais “redemoinho” junto com a escada que gravaram a bateria. Sem entrar em vários detalhes, o próximo passo foi recortar as outras duas partes e trabalhar nelas de várias formas para que fluíssem juntas e se encaixassem no groove corretamente, o que não foi fácil, principalmente pelo jeito que a bateria foi gravada. Na maioria das gravações de bateria, o ponto mais alto é logo no começo do som da batida, mas nesse caso o ponto mais alto passava longe disso, porque ela estava longe do microfone e tiveram que colocar o som do estúdio muito alto. Então aquilo começava leve e aumentava, inchando na parte mais alta de cada batida. Aí, repeti o processo e tive três versões diferentes do refrão, com a linha de baixo sintetizada adicionada, com as vozes adicionadas e processadas de várias formas usando os sintetizadores modulares, o estúdio e outras coisas. Há muito mais coisa, mas essa é só uma revisão rápida sobre a música.

Como você usou o estúdio para processar as vozes?
Eu tenho uma sala no meu estúdio construída profissionalmente para ser ótima para gravar amplificadores de guitarra, mas acaba sendo um lugar que tenho dois grandes alto-falantes, uma parede de azulejos, uma parede de madeira curvada e um piso de linóleo. Posso apertar alguns botões e qualquer som no meu computador vai sair explodindo dos alto-falantes, onde vai ser pego por microfones em várias posições na sala e os sons se alimentam no meu console Neve 808. É como se fosse uma câmara acústica de eco, só que mais elaborada. Eu uso o equalizador subtrativo e outras técnicas para controlar o som. Em “Never Let Go”, acho que mandei o vocal de Monk para a sala revertido, gravei, e então reverti novamente a gravação, e coloquei suavemente acima de sua principal faixa vocal, então há certas porções do rap que parece que a sala está inchando sua voz. No ano em que gravei Outsides,Enclosure e o primeiro álbum do Black Knights foi meu primeiro ano trabalhando bastante com o estúdio, e ele se tornou gradualmente outro instrumento para mim. Estou focando nas minhas habilidades de engenharia no ato criativo. Nós tendemos a pensar em engenheiros profissionais como essas pessoas contratadas pelas gravadoras. Eles viram os chefes dos artistas que, na verdade, não geram ideias criativas, apenas respondem ao desejo dos outros.

Você está adotando o modo Les Paul.
Exato. Para Les Paul, engenharia, eletrônicos e tocar guitarra era uma coisa só. Acho esse modelo maravilhoso. E você pode ver que ninguém seguiu seus passos. Ele estava fazendo isso em 1948, mas quem estava fazendo isso mesmo uma década depois?

Joe Meek, que foi grande admirador de Les Paul, é a única pessoa que consigo pensar.
Sim, Joe Meek era meio assim.

Voltando à guitarra, descreva um pouco mais detalhadamente como você adaptou o conceito de programação de sintetizadores para o seu approach.
A primeira vez que usei essa técnica numa gravação foi no solo de “Enough of Me”. Naquela época, eu não estava ouvindo como as notas iriam soar, estava apenas vendo as posições nas escalas e esperando que soassem bem, maquetando o solo para dar a ele um fluído mais coerente. Mas quando comecei a trabalhar com isso, desenvolvi meus ouvidos, então se eu tocasse uma nota na quinta corda na quinta casa seguida por uma nota na primeira corda na sétima casa, eu conseguia ouvir o intervalo na minha mente antes de tocar. Outro resultado disso é que tons de notas altas e baixas que estão bem longe umas das outras são bem diferentes, pois se você ficar alternando nota alta-nota baixa-nota alta-nota baixa, acaba parecendo ser duas melodias separadas coexistindo no seu ouvido. No tempo do PBX, eu estava muito desenvolvido nessa técnica.

Enquanto você desenvolvia seu estilo de tocar, como você achou o balanço certo entre honrar suas raízes e tradição, e tocar novas coisas de jeitos diferentes?
Tudo que eu faço tem suas raízes em outras coisas que eu fiz antes, e uma coisa que eu faço especificamente é olhar para estilos musicais do passado para ver onde certas tendências, certas evoluções acabaram por não serem mais moda. Tento pegar onde essas linhas se perderam – quer isso seja algum aspecto de synth-pop, progressive rock ou jazz, qualquer coisa. Tento usar isso como um ponto de partida básico e continuo com a mesma linha de pensamento.

Ao mesmo tempo, estou continuamente tentando perder meus vícios e condições, tanto como compositor quanto como guitarrista. Uma das coisas mais importantes de entrar na música eletrônica foi rever a hierarquia de elementos musicais, onde a bateria foi para o topo no lugar da melodia. Eu nasci com um senso muito forte de melodia, e a melodia sempre foi o principal na maioria das músicas por perto – mas em formas como hip-hop, house e techno você não precisa de melodia para criar música. Então, mesmo quando eu ia começar uma música apenas com bateria, eu conseguia ouvir melodias na minha cabeça, e eu tinha que usá-las. Nos primeiros dois ou três anos fazendo música eletrônica, foi difícil forçar meu senso de melodia para esse quadro composicional. Foi difícil até eu fazer os 10 minutos finais de “Sect In Sgt”, onde senti que eu poderia fazer uma música completa sem precisar de melodia.

É a mesma coisa com minha guitarra. Existem as partes físicas e teóricas de aprender a tocar, mas eu sabia que, uma vez que eu tivesse isso sob meu controle, seria o meu senso natural de melodia que iria aparecer. Todos nós temos nosso próprio jeito de fazer bends em notas, nossos próprios vibratos, etc, e podemos ficar bem confortáveis com essas coisas. Mas eu quis perder meus vícios e condições como um exercício divertido. Muitos músicos tendem a confiar em suas próprias condições, especialmente se querem se encaixar no que é popular e cool – mas eu não tenho motivo para fazer isso.

Trocar a Strat por uma Yamaha SG durante a gravação do PBX foi parte desse processo. Você não pode dar bends do mesmo jeito na SG, ou usar o mesmo tipo de vibrato, ou usar alguns dos seus movimentos de transição. Eu sempre gostei de criar dificuldades e superá-las, e tocar a SG é definitivamente mais difícil do que tocar uma Strat.

Fora desafios, deve haver algo que você goste muito nas Yamahas SG para torná-las suas guitarras principais no álbum.
Eu gosto delas, e tenho seis ou sete. Além de me forçar a tocar diferentemente, ela também me dá muitas percepções sobre como outros guitarristas tocam. Uma coisa que venho fazendo sem parar na minha vida é tocar com CDs, LPs, o que eu tiver. Acho que essa é a melhor forma de educação musical, pois você não está estudando apenas coisas escritas num papel – você está estudando as legendas da interpretação e da expressão, além dos próprios sons. Admito que estamos vivendo a era das gravações, mas isso gera oportunidades incríveis. Você vê isso em artistas como Jimi Hendrix e Beatles. Me lembro de ser um garoto e pensar: “Jimi Hendrix nem sabe como ler música, e ele toca guitarra desse jeito!”. Ou sobre Paul McCartney ser tão mestre em harmonia como ele foi sem saber muito sobre intervalos. Ele desenvolveu aquilo imitando discos.

Com a Yamaha SG, eu posso tocar junto com guitarristas que estavam tocando, digamos, Les Pauls e sinto que o som encaixa com o que estou ouvindo nos discos. Por exemplo, se você aprende os solos de Robert Fripp numa Strat, o som e a sensação não encaixam, e coisas como bends e vibratos são completamente diferentes. Você sabe que nunca vai conseguir tocar essas coisas numa Strat. Os tons não encaixam, mas se você tocar uma Strat junto com Adrian Belew ou Jimi Hendrix, encaixam. Então, sempre houveram esses guitarristas que eram um pouco misteriosos para mim e, de repente, se tornou mais fácil incorporar aspectos de seus estilos no meu estilo através da imitação. Gente como Robert Fripp, Mick Ronson, Tony Iommi e, particularmente, John McGeoch, do Siouxsie and the Banshees, que tocava uma Yamaha SG, que foi o motivo de eu ter comprado minha primeira. Foi uma aproximação com a guitarra que eu tinha fechado meus olhos a vida toda por eu sempre ter tocado instrumentos do tipo Strat.

Você acha que tem a ver com o que o tamanho da escala e a sensação do braço faz com os captadores e com o som?
Quando toco junto com CDs, eu nunca ligo minha guitarra. Falo apenas das propriedades acústicas da guitarra em si. A SG é feita de madeira pesada e grossa. Um motivo para a importância de se ter a guitarra certa é que quando eu aprendo como tocar algo, eu pego cada notinha e me certifico se minhas mãos estão se movendo exatamente como as do guitarrista se movem. Por exemplo, outro dia quando acordei, “Star Cycle” do Jeff Beck estava na minha cabeça. Eu já tinha aprendido o solo dessa música em algum momento, então o memorizei rapidamente – mas provavelmente toquei junto com a música mais 30 vezes durante o dia e a noite. No fim da noite, eu estava certo de que eu estava movendo minhas mãos exatamente como ele movia. Estou sempre na casa certa, na corda certa e cada vibrato é na mesma velocidade que o dele, cada bend é o mesmo, etc. Eu consigo fazer isso pela similaridade entre a guitarra que estava tocando – uma guitarra Performance – e a guitarra que ele tocou.

Quando você aprende coisas ouvindo discos, na verdade você está voltando no tempo até o exato momento em que aquilo foi tocado, você tem que refletir sobre aquilo. Você tem que ser um espelho para aquela experiência de momento deles. E também tem que analisar a relaçãoentre as notas que eles escolheram e as notas tocadas pelos outros instrumentos, que provocaram insights na linha de pensamento deles, porque o contexto harmônico diz muito sobre isso. Esse tipo de coisa é infinitamente fascinante para mim.

Mas leva-se muito tempo para aprender dessa maneira.
Eu venho fazendo isso consistentemente pelos últimos 30 anos. Na verdade, o único momento da minha vida que gastei mais tempo fazendo música do que propriamente tocando junto com discos foi durante os últimos cinco anos – desde então eu gasto metade do meu tempo fazendo isso.

Geralmente quando as pessoas são rockstars, eles não gastam dez horas por dia tirando coisas de CDs, mas foi assim que vivi enquanto estava em turnê com o Red Hot Chili Peppers e quando estava compondo para álbuns. Isso é o que eu mais gastei tempo fazendo. Assim como estar enraizado na tradição, é daí que vem minha inspiração. Eu não consigo estar vendo TV e decidir fazer música. Eu tenho que me sentar e tocar junto com o Vol. 4 ou algo assim e então me sinto tipo “Ok, estou pronto agora”. Mas o que eu fiz quando fiz isso? Voltei no tempo. Alinhei minha mente e meu espírito ao Black Sabbath.

A música que você toca junto influencia a música que você compõe na hora?
Normalmente não faço música em resposta à música que estou ouvindo. Isso funciona bem ao contrário. Eu ouço uma música em particular porque segue a linha do que eu já estou fazendo. Por exemplo, hoje em dia engenheiros profissionais tendem a querer todo e cada som gravado com muita alta frequência, para você ter um som brilhante e total. Mas se você ouve discos antigos de bandas como Velvet Underground e Black Sabbath, os sons são bem abafados, o que acho muito prazeroso. É a mesma coisa com muita música eletrônica, embora normalmente seja porque eles estavam em um estado primitivo, e os discos foram ficando com o som mais aberto assim que as bandas conseguiam melhores engenheiros com melhores equipamentos. Mas gosto muito desse som abafado, então quando eu estava trabalhando noPBX e com o primeiro álbum do Black Sabbath, ouvi muitos discos que tinham esse tipo de som interessante.

Há vários sons fantásticos de guitarra nos seus álbuns mais recentes, inclusive alguns ótimos tons distorcidos. Você conseguiu isso com um amplificador, vários amplificadores, ou pedais?
Essa é outra coisa diferente sobre tocar uma Yamaha SG. Com a Strat, eu não conseguia distorção direto apenas no meu Marshall Jubilee, mas com a SG eu consigo, então acho que não usei nenhum pedal de distorção nesses álbuns. Uma das coisas que fiz muito foi processar os sons da guitarra usando meus sintetizadores modulares. Uma coisa em particular que faço é usar a drum machine Roland TR-606, que é sincronizada ao computador, para mandar pulsos rítmicos para os vários sintetizadores modulares para transformarem o som no tempo da música. Tipicamente gravo essas partes um compasso por vez, então esses efeitos específicos ficam em perfeito alinhamento com a parte da guitarra, ou até a uma nota em particular. Há todas essas opções. No fim, soa como se o modulador estivesse sendo usado pela mente do guitarrista em tempo real.

Há um ótimo solo revertido de guitarra em “Fanfare”, mas não é apenas revertido, há outras coisas rolando também.
Se bem me lembro, eu ouvi a música ao contrário enquanto tocava o solo, aí reverti o solo. Para tocar exatamente no tempo, programo o gravador para começar a gravar automaticamente no começo de um compasso, aí paro exatamente onde o último compasso termina. Então, provavelmente reverto essa gravação e toco a versão para frente no estúdio, onde adiciono reversão extra, pois o som do estúdio na faixa traz a reversão antes da reversão original do som da guitarra na outra faixa. Provavelmente também mando a reversão original para o estúdio para ter o som do estúdio depois das notas de guitarra também.

A Yamaha SG foi a única guitarra que você tocou nos últimos álbuns, ou houve outras?
Toquei uma guitarra Roland GR-300 branca junto com um sintetizador GR-300 em algumas músicas. Por exemplo, em “Cinch” eu combinei isso com as partes da SG no arpeggio do começo, quando a bateria fica rápida. Editei isso calmamente com um violão Carvin de nylon durante o solo de “Breathiac”, então parece ser da mesma linha de pensamento. Também tenho um sintetizador Roland GR-500, que toco em “Scratch”, mas na maioria das vezes troquei para o GR-300, porque entrei numa fase King Crimson dos anos 80. O solo de “Shelf” foi tocado numa Ibanez Artist e o solo de “Same” foi tocado num violão Carvin modelo Allan Holdsworth. Eu também tenho uma guitarra Performance, feita por um cara chamado Kunio Sugai em North Hollywood. Toquei essa num solo de dez minutos numa música chamada “Wayne”, que gravei alguns meses atrás quando um amigo meu morreu. Ela parece uma Strat, e tem um bom sistema de compasso whammy que se mantém no tom muito bem. Depois de três anos tocando a SG na maior parte do tempo, me encontrei tocando guitarra cada vez mais.

O que é criatividade?
A criatividade está em todos os lugares, o tempo todo. É a natureza de quem somos. Quanto à criatividade artística, eu acho que muita gente coloca isso à frente de tudo e imagina que é algo que não conseguem entender – mas é a coisa mais natural do mundo. Claro, há muitas maneiras que você pode trabalhar contra ela, que não ajudam, como olhar para a sua arte como algo que você deseja receber algo de volta do mundo. Assim você não está no modo de criatividade mais – você está em modo de receber atenção ou algo assim. Tendo estado neste mundo por muito tempo, tenho notado que normalmente guitarristas que praticam muito e estudam muito antes de se tornarem famosos, quando se tornam famosos, param de estudar e apenas congelam. Eles vão dizer: “Ok, isso é o que todo mundo gosta em mim, então é isso que eu vou ser”. Para mim, isso acontece quando o relacionamento com a criatividade termina.


SCANS DA EDIÇÃO:










Scans por Invisible-Movement

Agradecimentos: Universo Frusciante.

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